Tradicionalmente, a sucessão empresarial ocorre pela transferência da propriedade para outra pessoa, que pode ser por venda, doação ou transmissão da herança.
Nesta última situação – tema de hoje, os dados indicam que a maior parte das empresas não possuem o plano de como deve acontecer a sucessão ou resolução das cotas de determinado sócio em caso de falecimento, que faz submeter ao judiciário decidir como fazê-lo.
A REGULARIZAÇÃO REGISTRAL NO CONTRATO SOCIAL APÓS O FALECIMENTO DE SÓCIO
Pela empresa, havendo o falecimento de algum sócio, é possível em deliberação social a alteração do contrato social para averbação na junta comercial sobre esta atualização sem a necessidade de alvará ou inventário e sem a necessidade de comprovar o pagamento de haveres aos familiares do sócio falecido.
Ou seja, a mera regularização registral não está condicionada a qualquer pagamento prévio, sendo permitida a mera alteração no contrato social, conforme possibilita a Instrução Normativa – IN 81 do DREI, no manual de registro da sociedade limitada.
No entanto, apesar da sociedade empresária conseguir regularizar o seu quadro societário de forma simples no caso de falecimento de algum sócio, o pagamento dos haveres continua sendo devido aos herdeiros do falecido, o que deverá acontecer no inventário posteriormente.
A possibilidade de atualizar a composição societária na Junta Comercial sem comprovar o pagamento das cotas aos herdeiros do falecido não significa que este pagamento não é devido. Ele é, mas deve acontecer posteriormente. Esta regra apenas veio para facilitar as atividades empresárias sem que esta fatalidade possa lhe embaraçar as operações.
O ponto chave passa a ser então: como calcular o valor destas cotas do falecido?
AS POSSÍVEIS FORMAS DE DISSOLUÇÃO DA EMPRESA EM RELAÇÃO AO SÓCIO QUE FALECER
AJUSTE PRÉVIO DOCUMENTADO:
Pela orientação dos Tribunais e do próprio Superior Tribunal de Justiça, a forma de solução para o falecimento de algum sócio deve ser aquele que os integrantes ajustaram e documentaram no contrato social, de forma que deve prevalecer a autonomia da vontade do grupo empresarial.
O problema é justamente este: a maioria das empresas não possuem este acordo, e nem uma outra previsão no contrato social que fale sobre como calcular as cotas do sócio falecido para pagamento aos herdeiros.
E é justamente nestas situações que se instauram os problemas judiciais quase intermináveis que parecem não ter solução.
A liquidação das cotas dentro do processo gera discussões entre os sócios sobreviventes e os herdeiros: um lado acredita que o valor a receber é maior e o outro lado acredita que está ajudando mais do que deveria. Nestes casos, após muito desgaste o Juiz é quem fixa uma solução que entende ser mais razoável.
Para isto, o judiciário tem buscado aplicar para esta dissolução parcial de sociedade e apuração do valor das cotas que o falecido deixou o método considerando o valor patrimonial aferido no âmbito do balanço de determinação, previsto no art. 606 do CPC (STJ/397.678/SP).
Em um quadro de total falta de previsão no grupo empresarial, este método parece ser o mais próximo do justo para o difícil trabalho de descobrir o real valor das cotas, no entanto, além de não representar a vontade do falecido e não ter precisão exata, é demorado e desgastante, tanto para os sócios remanescentes quanto para os familiares do falecido.
Existe a metodologia do fluxo de caixa descontado, que já foi muito utilizada, mas atualmente não é recomendada (embora alguns Tribunais ainda a utilizem) por não refletir com precisão o real valor das cotas.
Então, tanto para a empresa, para os sócios remanescentes e a família do sócio que possa vir a falecer, o ideal é ter a previsão para caso de falecimento bem clara, que pode ser inserida, ajustada ou reajustada a qualquer momento.
A REESTRUTURAÇÃO SOCIETÁRIA IDEAL
1 – PREVISÃO PARA CASO DE FALECIMENTO
Seja na nova constituição de sociedade ou em alguma já existente, incluir a previsão para o caso de falecimento do sócio no contrato social ou alteração contratual é um trabalho que vem ganhando espaço dentro do Planejamento Patrimonial e Sucessório, principalmente pelo grande número de problemas que este ato pode evitar.
Então, reunir todos os envolvidos para debater e definir a forma de sucessão enquanto ainda há saúde e bons ânimos de todos é o caminho indicado, pois o que for definido deverá ser escrito e valerá como se fosse testamento (desde que dentro dos limites da lei e sem prejudicar terceiros).
Outro ponto positivo é que a definição quanto ao futuro da empresa e Herdeiros do sócio pode ser ajustada ou atualizada a qualquer momento.
Se no seu caso já existe uma previsão genérica que está inserida apenas para cumprir protocolo, vale a pena revisar, pois ela pode causar mais embaraço do que solução no momento de interpretar para ambos os lados.
Não se recomendada utilizar um modelo padrão, pois as peculiaridades mudam de uma empresa para outra de acordo com suas próprias circunstâncias, pessoas e estratégias de mercado.
Mesmo assim, em condições gerais, as principais previsões devem responder pelo menos estas principais questões, que são as mais comuns:
- A REGRA DE SUCESSÃO SERÁ IGUAL PARA TODOS OS SÓCIOS?
Cada sociedade empresária tem sócios com perfis completamente diferentes um do outro, mas que se uniram para o objetivo comercial e/ou empresarial em comum na composição do quadro societário.
Assim, é prudente pensar que, por exemplo: Com o falecimento do sócio investidor pode ser ideal o ingresso de seu(s) herdeiro(s) na sociedade. Contudo, em caso de falecimento do sócio laborativo, que contribui com seu conhecimento técnico, com formação profissional, pode não ser viável aplicar a mesma sistemática.
Isso já é um gancho para a segunda pergunta:
- O HERDEIRO PODERÁ SE TORNAR SÓCIO?
Tem que se fazer uma avaliação criteriosa, que exige a aprovação de todos. Se a resposta for sim, deve ter a previsão escrita com indicação correta de que eventual regra ou exceção se aplica somente à determinado sócio e/ou para determinado herdeiro (logicamente respeitando o quinhão com relação aos demais herdeiros daquele grupo). Pode ser que seja admitido apenas um dos diversos herdeiros para a substituição.
- QUAL VAI SER A METODOLOGIA DE APURAÇÃO DOS HAVERES?
Avaliar o preço que cada cota vale após alguns anos é uma tarefa difícil, pois o valor das cotas indicadas valor do contrato social não representam aquele valor mais na maioria dos casos. Há créditos e débitos, existem bens e patrimônios obtidos, existe o fluxo de caixa, capital de reserva, as vezes um fundo de investimento. Enfim, podem existir diversas questões que compliquem analisar o real valor da cota que cada sócio possui para pagar aos familiares no momento do falecimento. Por isto que estabelecer a forma de apuração destes haveres é importante.
E este método deve ser o que melhor se ajusta dentro da realidade dos sócios, não precisa ser o mesmo do judiciário ou algum outro mais popular. Isto é excelente, pois o Judiciário reconhece que a metodologia prevista no contrato social é a que deve prevalecer.
Além de apurar a forma de avaliação destas cotas, é importante também estipular regras de como o pagamento será feito, pois nem sempre a empresa possui caixa suficiente para realizar um pagamento em uma semana ou um mês após um falecimento repentino de algum sócio. Pode ser estabelecido o parcelamento com primeira parcela a contar de determinado período, ou senão condicionar às receitas futuras, etc.
Cada opção escolhida pode fazer com que apareçam novos desdobramentos e dúvidas do “como será feito”, e isso depende de aprovação de todos os envolvidos, com objeções, opiniões e sugestões, justamente porque o objetivo é reduzir conflitos, o que pode demorar semanas ou meses.
Por isto cada caso exige uma análise personalizada para estipular as melhores previsões possíveis para aquele grupo com viés de longo prazo, sendo algo sólido e que tenha validade não somente para aquele período.
Um profissional com atuação neste departamento pode ser de grande valia para ajudar a elaborar esta readequação de acordo com a peculiaridade de cada caso, pois poderá apresentar mais opções de solução que pode se encaixar na realidade do grupo.
E SE OS HERDEIROS DO FALECIDO VENDEREM SEUS DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO PARA UM TERCEIRO
Pode acontecer de aparecer algum terceiro interessar em entrar na sociedade no lugar do falecido. Neste caso, a solução é a seguinte:
Deverá haver acordo entre os sócios atuais e herdeiros sobre esta possibilidade de venda das cotas do falecido à outra pessoa.
Em vez de liquidar as cotas do falecido para pagar aos seus sucessores, os herdeiros deverão negociar a venda dos seus direitos diretamente com este terceiro (comprador), que irá pagar o valor ajustado entre os sucessores independentemente de apuração real do valor destas cotas.
Para concluir a formalização será necessário alvará judicial ou alvará de partilha (art. 619, I/CPC) para averbação desta cessão no contrato social. O Cartório de Notas poderá emitir documento equivalente quando se tratar de inventário extrajudicial.
APROVEITAR PARA CORRIGIR OUTROS PONTOS FALHOS
Na reestruturação societária, talvez seja interessante aproveitar o momento e fazer uma análise profunda e abrangente para uma reestruturação completa.
Pode se incluída a previsão de prazo estipulado para os herdeiros buscarem comprador para as cotas do falecido e evitar conflito de atos, por exemplo pela noticiamento do falecimento antes desta negociação.
Por outro lado, existem sociedades que já “nasceram” com equívoco no registro: em vez de ser na Junta Comercial ocorrer na RCJP, ou vice-versa. Também pode acontecer de operar o registro diverso: se a LTDA é empresarial ou não empresarial, e este problemas causam impacto quando menos se espera, sendo a reestruturação societária uma boa oportunidade para sanar este vício.
Por exemplo: uma sociedade sem o registro correto equivale a dizer que não houve o registro (art. 45 e 985 do Código Civil/2002), em momento de eventual dívida ou fiscalização pode haver complicação com efeito retroativo de tudo o que se operou até ali.
É possível considerar também outros pontos sensíveis, tal como a ocorrência de capital social fictício (o valor declarado que não apresenta lastro em eventual fiscalização da receita), situação que pode fragilizar a sociedade em caso de apuração.
Uma reestruturação societária pode servir também para regularizar algumas responsabilidades, direitos e obrigações até então apenas subentendidas ou tratadas sem a devida atenção.
É um consenso que a comunicação é um ponto falho na maioria das empresas. Então, tal como o POP – Procedimento Operacional Padrão, normas e regimentos internos, termos de uso e acesso às informações, veículos e ferramentas, a regulamentação de destes aspectos dentro do grupo gerencial, os sócios ou administradores nem sempre pode ser entendida da mesma forma por todos, exigindo um protocolo ou documento próprio que vincule as expectativas alinhadas.
Por exemplo: no caso de saída de algum sócio sem ser por falecimento seria interessante exigir um justo motivo ou pode deixar esta faculdade a livre escolha para sair a qualquer momento por simples vontade? Nestas hipóteses, o método de apuração dos haveres será o mesmo?
Ponto pouco esclarecido as vezes é a efetiva atribuição de cada sócio, bem como o que pode ser considerado uma falta grave e em punições podem ser aplicadas, em nível progressivo, taxativo, ou intolerante.
Pode indicar mais claramente quanto e como cada sócio deve investir; o que cada um tem que fazer; o que cada um NÃO pode fazer, etc.
Enfim, o ideal é aproveitar o momento para alinhar expectativas e responsabilidades e criar um documento que vincule a todos, o que não precisa ser necessariamente dentro da alteração contrato social que fica exposto, podendo ser no documento particular chamado acordo de sócios.
E SE TIVER A HOLDING FAMILIAR?
A Holding Familiar, Agropecuária, Imobiliária, ou qualquer que seja a função social geralmente já possui o viés sucessório com as previsões pertinentes.
No entanto, até mesmo nestas situações há que se atentar para as mesmas regras aqui indicadas que devem se estender a todos os sócios participantes. Especialmente pelo fato de que os sócios envolvidos são herdeiros e familiares, que muitas vezes poderá exigir a criação de regras mais específicas ainda.
Além da necessidade de estender aos herdeiros as regras típicas de cada sócio, há que se considerar também a necessidade de compatibilizar ao quadro empresarial algumas regras típicas do direito de família e sucessões.
Neste ponto podemos citar, por exemplo, o caso de algum herdeiro praticar ato lesivo contra o pai ou mãe que lhe torne indigno – se não tiver previsão no contrato social quanto a esta situação ele não sofrerá as penalidades do direito sucessório, ficando restrito a obedecer apenas as normas empresariais indicadas no contrato social.
Há que se pensar que novos sócios aparecerão e além da transição da primeira para a segunda, a expectativa é que os sócios da segunda passem para os da terceira geração, e assim por conseguinte.
Existem Holdings Familiares que vão exigir obrigatoriamente uma readequação e reestruturação societária para estabelecerem de forma clara que foram constituídas buscando a proteção patrimonial permitida, dentro dos limites da Lei, bem como por terem sido criadas de forma frágil, com herdeiros obrigatórios deixados de fora, com declarações patrimoniais que não coincidem com a realidade, com uso abusivo das técnicas legais para praticar simulação e sonegação de impostos, dentre outros. É no período de fiscalização ou dívida com terceiros que este problemas a necessidade correção de sua estrutura. Mas isto é tema para um próximo artigo, pois envolve uma avaliação do cenário global com todos os riscos envolvidos em cada ponto.
De qualquer modo, para maior segurança e tranquilidade é sempre recomendado procurar um advogado capacitado e de confiança para prestar o auxílio necessário antes de tomar qualquer providência.
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